segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Desmatamento

 O extermínio da vida

"um crime contra a natureza é um crime contra nós mesmos e um pecado contra Deus"

Enciclica Laudato Si


A região de Pelotas está no limite sul da Mata Atlântica, formação florestal que cobre áreas de vários  estados brasileiros.  Sendo uma área limite com bioma Pampa, as formações vegetais são muito características e únicas. O cuidado com os fragmentos da mata ainda existentes é uma questão muito importante para a sobrevivência não só de espécies vegetais, mas de todas as formas de vida que nela se associam e dela dependem, inclusive os  humanos.

Infelizmente, existe um histórico de ver a natureza como um estorvo para as atividades econômicas e insensatamente destruí-la, sob o falso paradigma de que assim se constrói o futuro.

Assim foi destroçada uma fração de mata nativa remanescente na área urbana de Pelotas. Situada esta em local supostamente protegido da insensatez humana, posto que destinado a formar aqueles que, em princípio,  se destinam a propagar a palavra divina. Palavra essa materializada na encíclica Laudato Si , onde se vê que "um crime contra a natureza é um crime contra nós mesmos e um pecado contra Deus".

Mas os homens não  são integralmente perfeitos. Muitos integralmente imperfeitos, a ponto de um dos responsáveis diretos pelo extermínio da mata afirmar orgulhosamente, conforme registro  na imprensa,  " A área está limpa e é feita a terraplanagem..." . 

Na visão dele, e de seus iguais, uma área de bosque única, onde se associam diversas espécies vegetais nativas e animais silvestres numa biota diversa, é simplesmente lixo que deve ser erradicado para ter " a área limpa".

Para alguns, isso é ter "inteligência ambiental".

Alguns autores conhecidos desses atos são reconhecidamente reincidentes, pois os mesmos que em 2014 destruíram com igual fúria o "Bosque do Seminário". Agora, entretanto, eliminaram também, junto com a mata nativa,  uma área de compensação ambiental pela qual eram legalmente obrigados a zelar.

Infelizmente tudo isso foi aprovado pela burocracia local, dentro do  princípio de que para o "progresso" não deve haver o impedimento de ordem legal, ou moral.

Tudo isso para a construção  de mais um hotel, o que poderia ter sido realizado em  outro local da cidade.







Fonte:https:// geopelotas-pmpel.hub.arcigis.com









segunda-feira, 30 de agosto de 2021

 

Monografia de Conclusão de Curso

Gestão ambiental da Bacia da Lagoa Mirim

Mário Franklin da Cunha Gastal

Pelotas, julho de 2009


Resumo

A Lagoa Mirim, localizada no extremo sul do Brasil e no leste do Uruguai, apresenta características singulares. Possui à suas margens duas importantes reservas ambientais, a Reserva do Taim, no Brasil, e a de Bañados del Leste, no Uruguai. Por outro lado, a Lagoa é submetida a intensa extração de água para fins agrícolas. O regime hídrico natural, decorrente da ligação com o estuário da Lagoa dos Patos por meio do Canal de São Gonçalo, que propiciava a salinização periódica de suas águas, sofreu forte intervenção com a construção da Barragem Eclusa no Canal de São Gonçalo em. Adiciona-se a isto a pretensão de  implementação de uma hidrovia e de instalação de indústrias de celulose, nos dois países.  Diversas normas legais e administrativas brasileiras e uruguaias, bem como tratados e acordos internacionais e binacionais visam disciplinar a intervenção humana neste ambiente. Busca-se avaliar a compatibilidade das normas para efetiva proteção ambiental e sugerir melhorias para a gestão ambiental. Um novo modelo de gestão ambiental é proposto, através uma de uma entidade de direito público internacional, possuidora de autonomia para gestão e execução.

 

 

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Sumário

 

Resumo.. 2

Introdução.. 5

Capítulo I A região da Bacia da Lagoa Mirim.. 8

1. A natureza da região. 8

2. A divisão política. 13

3. A pressão antrópica sobre o ambiente. 22

Capítulo II Gestão Ambiental Binacional.. 32

1.  Gestão Ambiental e soberania. 32

2. A questão ambiental no MERCOSUL.. 37

3. Cooperação entre Brasil e Uruguai 44

4. Caminhos para a integração. 52

Conclusão.. 60

Referências.. 62

 

 


Introdução

No cenário internacional, a questão do ambiente, como um todo, tem sido foco de crescente preocupação, refletida na busca de maior entendimento entre as nações para sua preservação. A disponibilidade de água, em quantidade e qualidade, tem sido objeto de geral preocupação. O uso equânime de águas fronteiriças constitui-se numa das grandes preocupações do Direito Internacional, devido às implicações que esta questão apresenta em diferentes áreas da vida das nações. Aspectos ambientais, sociais, políticos, econômicos, geográficos, e muitos outros, estão englobados neste tema. Diferentes normas foram estabelecidas, dirigidas para a questão  ambiental destas águas, como a Convenção sobre a Proteção e Utilização de Cursos d’água Trans-fronteiriços e Lagos Internacionais, assinada em 1992; e a Convenção Internacional sobre Direitos de Utilização de Cursos D’água para Fins Distintos da Navegação, da ONU, assinada em 1997. Esta última convenção adota o conceito de Bacia de Drenagem Internacional, conceito estabelecido em 1966, com as denominadas Regras de Helsinque. Segundo este documento, uma bacia de drenagem internacional é uma área geográfica, que cobre dois ou mais Estados, determinada pelos limites fixados pelos divisores de água, inclusive as águas de superfície e as subterrâneas, que desembocam num ponto final comum. Assim, um curso d´água, mesmo interno em determinada nação, mas que pertença a uma bacia internacional, também será considerado curso d’água internacional. Na região fronteiriça entre Brasil e Uruguai, que abrange a Bacia da Lagoa Mirim, a aplicação deste conceito amplia a área compartilhada dos originais 3.749 km² da Lagoa Mirim para os 62.250 km ² da Bacia de Drenagem da Lagoa Mirim, localizados em partes aproximadamente iguais no Brasil e no Uruguai. A gestão ambiental de uma bacia internacional, neste caso uma bacia binacional, é complexa, pois nas águas de fronteira, em bacias hidrográficas compartidas, como no caso da Bacia da Lagoa Mirim, considerando que qualquer intervenção realizada em um ponto da bacia pode repercutir nos países a compartilham.   

Vários acordos internacionais buscam unificar entre as nações o trato da questão ambiental, como através a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.

O Tratado de Assunção, que criou o MERCOSUL, embora com foco primordial sobre a questão comercial, preocupou-se em estabelecer diretrizes de proteção ambiental. Decorre dele Acordo Quadro sobre Meio Ambiente do MERCOSUL. Dentro do espaço do MERCOSUL salienta-se, também o Tratado da Bacia da Prata, assinado em 28 de abril de 1969  por Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai, acordo este que fixou as linhas gerais de um plano de cooperação entre os estados ribeirinhos, sendo o início de uma política de transformação dos limites em fronteiras de cooperação.

Entre o Brasil e o Uruguai, foram estabelecidos vários acordos bilaterais, sendo de notar o Tratado de  Cooperação Ambiental para o Aproveitamento dos Recursos Naturais e o Desenvolvimento da Bacia da Lagoa Mirim, a Ata de Jaguarão, e o Acordo sobre Cooperação em Matéria Ambiental. O primeiro enfoca diretamente a região tema deste trabalho, por ser possuidora de grandes recursos naturais, reconhecidos mundialmente, especialmente os representados pelas grandes lagoas e banhados. Como entidade executora do Tratado foi designada a Comissão Mista para o Desenvolvimento da Lagoa Mirim (CLM), criada anteriormente.  A CLM é composta pela Delegação Uruguaia e pela Agência de Desenvolvimento da Lagoa Mirim, órgão executor brasileiro. O objetivo primeiro do Tratado da Lagoa Mirim é promover o desenvolvimento regional, sendo a questão ambiental lembrada como importante no processo de desenvolvimento.

A Bacia da Lagoa Mirim é um ambiente natural uno, dividido politicamente pela linha limite entre Brasil e Uruguai, o que resulta ser submetido a estatutos administrativos e jurídicos distintos. A implementação de medidas conjuntas é dificultada pela linha limite, marco de soberania das duas nações.

Este estudo apresenta uma síntese da natureza da Bacia da Lagoa Mirim, da evolução da divisão política da região e da pressão antrópica sobre este território transfronteiriço. Também trata igualmente da questão ambiental no MERCOSUL e da cooperação ambiental entre Brasil e Uruguai, procurando vislumbrar de novos caminhos para a integração ambiental binacional.

 

 

 

 

 

 

Capítulo I
A região da Bacia da Lagoa Mirim

A Bacia Hidrográfica da Lagoa Mirim, uma bacia transfronteiriça, onde prevalece o regime de águas compartilhadas. Sua superfície é de, aproximadamente, 62.250 km2, dos quais 29.250 km2 (47%) situam-se em território brasileiro e 33.000 km2 (53%), em território uruguaio. O cordão de lagoas que se estende pela região costeira dos dois países, os cursos d’água que lhes são tributários, juntamente com as regiões alagadiças que as circundam, são sua paisagem mais característica e a base de um diversificado patrimônio ambiental, ainda, em grande parte, preservado.

O estabelecimento dos limites de Brasil e Uruguai derivou de uma série de embates realizados no campo das armas e no campo diplomático, inicialmente entre Espanha e Portugal e, posteriormente, entre Brasil e Uruguai. A linha limite dividiu politicamente a Bacia da Lagoa Mirim, trazendo dificuldades à gestão ambiental da região. Embora ainda não degradada seriamente, a Bacia da Lagoa Mirim sofre presentemente conseqüências ambientais desfavoráveis de diferentes atividades; além do risco existente em empreendimentos ainda em planejamento.

1. A natureza da região

A Lagoa Mirim faz parte de um cordão de lagoas que se estende desde o norte do litoral do Rio Grande do Sul até o litoral leste do Uruguai. as lagoas costeiras são de grande importância, porque fazem a ligação entre zonas costeiras, águas interiores e águas costeiras marinhas.[1]

Esta formação litorânea resultou de grandes ciclos de transgressão e regressão do nível do mar, ocorridos durante o período do Pleistoceno. Devido às características físicas da zona costeira, cada transgressão marinha deu origem a uma feição geológica, denominada Sistema Laguna-Barreira. Cada sistema é caracterizado pela presença de extensas barreiras arenosas costeiras, que isolam grandes lagoas, paralelamente à linha de costa oceânica.[2]

A Lagoa Mirim, formada nesse período, é um grande lago localizado na fronteira entre o Brasil e o Uruguai, é o segundo maior lago da América do Sul, superado apenas pelo lago Titicaca, compartilhado por Peru e Bolívia.
A superfície da Bacia Hidrográfica da Lagoa Mirim, uma bacia transfronteiriça, onde prevalece o regime de águas compartilhadas (Tratado de Limites de 1909 e Tratado da Lagoa Mirim de 1977), é de  aproximadamente 62.250 km2, dos quais 29.250 km2 (47%) em território brasileiro e 33.000 km2 (53%) em território uruguaio.

A Lagoa Mirim possui uma área de 3.749 km2, com extensão de 185 km e largura média de 20 km e máxima de 37 km. Liga-se à Lagoa dos Patos através do Canal São Gonçalo, o qual possui 76 km de extensão.

Esta bacia subdivide-se em oito outras bacias hidrográficas menores, que são, no lado brasileiro, a bacia do São Gonçalo (9.147 km2), cujo principal afluente é o Rio Piratini; a bacia do Arroio Grande (4.080 km2), que incorpora o Arroio Grande e o Arroio Chasqueiro, dentre outros menos significativos; e a bacia do Litoral (6.416 km2), onde estão localizados o Banhado do Taim e a Lagoa Mangueira.  No lado uruguaio estão situadas a bacia do Tacuari (5.143 km2); a bacia do Cebollati (17.328 km2); a bacia do Sarandi (1.266 km2); e a bacia do São Miguel (6933 km2), integrada pelo São Miguel e por outros arroios de menor porte. A bacia do Rio Jaguarão, compartilhada entre o Brasil e o Uruguai, possui 8.188 km2.[3]

A Lagoa Mangueira, que tem um volume de aproximadamente 1.200 milhões m³ de água doce, liga-se à Lagoa Mirim pelo Banhado do Taim. Sua água é alcalina, com valores de pH acima de oito, devido ao leito de conchas que lentamente vão sendo dissolvidas pela água, aumentando assim a concentração de carbonatos. Esta condição excepcional possibilita o desenvolvimento da micro alga azul, denominada Spirulina sp, que vive em águas de alta alcalinidade, utilizando-se de carbonatos como fonte de carbono.[4] Esta alga é uma das mais estudadas no mundo, devido a sua importância nutricional.

Entre a Lagoa Mirim, a  Lagoa Mangueira e o Oceano Atlântico encontra-se a Estação Ecológica do Taim, criada em 1978 e administrada pelo compreende a Zona Leste, cuja economia está baseada na produção de arroz e na pecuária extensiva. Situa-se aí a Reserva de Bañados Del Este, inscrita na Lista da Convenção Sobre Terras Úmidas de Importância Internacional - Convenção Ramsar. Esta convenção é um dos principais tratados internacionais sobre conservação e uso racional de recursos naturais das terras úmidas.

A Reserva de Bañados Del Este inclui 10 áreas protegidas para Reserva da Biosfera, a saber: Parques Nacionais (Bañados de San Miguel - Laguna Negra, Laguna de Castillo, Lagunas de Rocha, Garzón y José Ignacio - Isla de Lobos, Cerro Largo); Paisagens Protegidas (Cerro Catedral - Sierra de Sosa, Asperezas de Polanco, Sierra Del Tigre, Quebrada de los Cuervos); Áreas Protegidas com Recursos Manejados (Laguna Merín e India Muerta).

Limitada originalmente ao departamento uruguaio de Rocha, a Reserva foi ampliada posteriormente, tomando como critério básico o conceito de bacia hidrográfica, abrangendo então a área uruguaia da Bacia da Lagoa Mirim e parte da vertente atlântica.[5]                     

No lado brasileiro, a bacia  abrange as microrregiões da Zona Sul e da Campanha do Rio Grande Sul (10% da superfície do Estado), envolvendo 27 municípios. Esta área, polarizada pelo eixo Rio Grande-Pelotas-Bagé,  representa  cerca de 35% da Mesorregião da Metade Sul do RS. Como na parte correspondente ao Uruguai, a economia da região é fundamentada na agricultura, especialmente no cultivo de arroz irrigado, e na pecuária. A região abriga grande diversidade de fauna e, além de seus habitantes fixos, recebe todos os anos diversas espécies de aves migratórias. Já foram observadas 210 espécies de aves. Entre os mamíferos, são encontrados o ratão do banhado, a capivara, a lontra, os gatos-do-mato, o tuco-tuco, o gambá, a guaiquica, o tatu, o mão-pelada, o zorrilho, o preá, o furão, e o rato do campo. Entre os répteis, o jacaré- do- papo amarelo, as tartarugas, a lagartixa de praia, os sapos e as cobras. Entre os peixes são encontrados o peixe-rei, a traíra, o jundiá, entre diversas outras espécies.[6]

Nas áreas em torno da Lagoa Mirim existe um sistema composto por  planícies inundáveis, incluindo matas de galeria, banhados, lagunas, brejos e dunas costeiras. Existem, também, remanescentes de Mata Atlântica.

A região do arroio Chui possui importância paleontológica, pela riqueza de fósseis de animais nela encontrados. Dentre os mamíferos pré-históricos nativos da América do Sul, cujos fósseis são encontrados nos depósitos fossilíferos da planície costeira, pode ser destacado o grupo dos xenartros, constituído pelas preguiças, tamanduás e tatus. Dentre os mais notáveis, as preguiças gigantes, o Megatherium, com seis metros de comprimento, era o maior dos mamíferos que habitaram a América.[7]

No período pré-colonial a região foi habitada por indígenas de diferentes grupos (minuanos, charruas, guenoas), bem como da nação guarani, cujos grupos invadiram a região e influenciaram a cultura de muitas tribos nativas.

 Os colonizadores espanhóis e portugueses que descobriram a região aniquilaram a presença indígena por meio de guerras, emigração forçada, miscigenação e doenças, a ponto de sua presença só ser conhecida atualmente através de achados arqueológicos; das denominações de identificação dos acidentes geográficos, dos animais e dos vegetais, dadas na língua dos indígenas. Alguns costumes indígenas se incorporaram aos dos novos povoadores, como o uso das boleadeiras e o do consumo do mate.

A população atual, de cerca de 850.000 pessoas,[8] [9]formada na região da Lagoa Mirim, possui laços indissociáveis do ponto de vista étnico, social, ultural e econômico. Muitas famílias brasileiras e uruguaias possuem origem comum, forjada desde o período em que os limites territoriais não estavam ainda sedimentados.

2. A divisão política

Seguindo Becker M. (1994) pode-se distinguir as fronteiras estáticas em naturais e artificiais. As primeiras podem ser representadas por cursos d’água, como rios, lagos, riachos ou oceanos e outros acidentes geográficos, como montanhas. As fronteiras artificiais, ou invisíveis, são aquelas definidas por limites baseados em paralelos e meridianos, ou por limites geométricos, uma reta que une dois pontos definidos entre dois Estados. É o limite traçado por uma linha imaginária sobre superfície terrestre. Divisa é o aspecto visível do limite, apoiado em acidentes naturais como cursos d’água, topos de montanha ou marcos  geodésicos.

Atualmente o critério mais utilizado para o estabelecimento de fronteiras fluviais internacionais é o da calha mais profunda de um rio. A demarcação de uma linha de limite envolve aspectos técnicos, topográficos e cartográficos.

A delimitação do limite precede a demarcação e requer um acordo entre as partes envolvidas, sendo a etapa final de um processo destinado a estabelecer o limite do exercício da soberania de países limítrofes.

As fronteiras de fato, ou dinâmicas são fronteiras nacionais caracterizadas pela  permeabilidade, ou seja, fronteiras que não impedem a passagem de indivíduos humanos, da fauna ou da flora local[10]. O que faz a rigidez de uma fronteira nacional diluir-se, como no caso da Bacia da Lagoa Mirim, é o seu aspecto regional de integração.

A ocupação européia da região sul da América gerou a necessidade de efetivação da demarcação de limites entre os territórios ocupados por espanhóis ou portugueses. A região que compreende a Bacia da Lagoa Mirim foi palco histórico de inúmeros litígios, desde o início da colonização, percorrendo o complexo processo de formação das nações limítrofes.

O estabelecimento de limites iniciou antes mesmo do descobrimento do Brasil, com o Tratado de Tordesilhas, assinado em junho de 1494. Nesse tratado ficava estabelecida a demarcação de um meridiano localizado a 370 léguas a oeste da ilha de Cabo Verde como limite das possessões de Espanha e Portugal. Os territórios a oeste seriam explorados pelos espanhóis, os a leste, pelos portugueses. No sul do Brasil, esta linha imaginária passa por Laguna, deixando, portanto, o território da bacia da Lagoa Mirim na posse dos espanhóis.

Posteriormente, em 1578, com o desaparecimento de D. Sebastião, rei de Portugal, na batalha de Alcácer Quibir com os mouros, ficou vago o trono português. Em 1580, Filipe II, monarca espanhol e um dos herdeiros do trono português, uniu as duas coroas, dando início à União Ibérica, que se estendeu até 1640. Com a união das duas coroas peninsulares, constituiu-se um grande império ibérico que persistiu por sessenta anos, período em que os territórios americanos sob domínio de Espanha e de Portugal permaneceram unificados.

No início de vigência da união ibérica, firma-se a posição espanhola no Rio da Prata, com a fundação definitiva de Buenos Aires, núcleo que os espanhóis já haviam tentado estabelecer em 1536. Ficou assim firmado o domínio da Espanha à margem direita do Rio da Prata.

Posteriormente, quando desvinculados novamente Portugal e Espanha, foram assinados diversos tratados, buscando estabelecer limites territoriais para as regiões ao sul da América, uma vez que se avolumavam os conflitos de limites entre as duas nações.

Um século após a criação de Buenos Aires, os portugueses fundaram, em 1679, à margem esquerda do Rio da Prata e confronte a Buenos Aires, uma povoação que denominaram Colônia do Santíssimo Sacramento. Destinava-se esta povoação a firmar o domínio lusitano até a margem oriental do Rio da Prata.

Colônia do Sacramento, como hoje é conhecida, foi de imediato atacada pelos espanhóis, que a abandonaram em 1683, por força Tratado de Lisboa (1681).

Fig. 1  Brasão Português no Portão das Armas em Colônia do Sacramento

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Colo_do_sac_1.jpg

 

Esta povoação foi devolvida pela segunda vez a Portugal em 1715, em decorrência do estabelecido no 2º Tratado de Utrecht, firmado entre Portugal e Espanha, após os espanhóis terem atacado e retomado aquela Colônia. Os espanhóis em protesto contra a devolução  fundam  Montevidéu, em 1726,  isolando Colônia do Sacramento, fato que provocou novos choques na região.

Em 1684 os portugueses estabeleceram no Brasil o núcleo de Laguna, que se tornou um pólo difusor da presença lusitana em direção ao território situado entre Colônia do Sacramento e Laguna, uma terra ainda não explorada. Aí foi erguido, em 1737, o presídio Jesus-Maria-José, que originou a atual cidade de Rio Grande. Esta nova colônia era um apoio militar à Colônia do Sacramento e um ponto de fixação da povoação portuguesa.

O Tratado de Madri (1750), que pode ser considerado o mais importante dos tratados de limites assinados entre portugueses e espanhóis, estabeleceu que cada uma das nações ficasse com os territórios que já estivessem em seu poder, seguindo o princípio de uti possidetis. Este princípio, aceito pela Espanha, beneficiou Portugal, que já havia ocupado as terras a oeste do Meridiano de Tordesilhas.

Os padres jesuítas espanhóis, juntamente com outros habitantes da região, não se conformaram com a decisão do Tratado de passar a região dos Sete Povos das Missões para o domínio português, em troca de Colônia do Sacramento. Era o início do que se denominou "Guerra Guaranítica". Como o tratado não foi cumprido, porque os demarcadores suspenderam os trabalhos,  Colônia do Sacramento acabou permanecendo sob domínio de Portugal. Este tratado foi anulado pelo Tratado de El Pardo (1761).

Em conseqüência da Guerra dos Sete Anos (1756-1763), na Europa, surgiram hostilidades também na América. D. Pedro de Cevallos, governador de Buenos Aires, atacou e ocupou a Colônia do Sacramento em 1762, tendo sido devolvida no ano seguinte. Posteriormente, os espanhóis se apossaram de Santa Catarina e, pela quinta vez, de Colônia do Sacramento.

O Tratado de Santo Idelfonso (1777) reconheceu o princípio do uti possidetis e restabeleceu, em linhas gerais, o Tratado de Madri. Portugal cedeu Colônia do Sacramento, os Sete Povos das Missões e parte do Rio Grande; a Espanha devolveu a Ilha de Santa Catarina.[11]

Pelo artigo quinto deste tratado, conforme estipulado nos artigos antecedentes, ficariam reservadas entre os domínios de uma e outra Coroa, servindo de espaço de separação, sem que nenhuma das duas nações as ocupassem, as Lagoas Mirim e Mangueira, e as faixas de terra que situadas entre elas e a costa de mar. Desta sorte nem os espanhóis passariam os arroios Chuí e San Miguel em direção norte; nem os Portugueses, o Taim, para a parte meridional. Esta área neutra estendia-se para o oeste, até a margem esquerda do Rio Jaguarão, correspondendo, em grande parte, ao território que hoje é denominado de Bacia da Lagoa Mirim.

        

Fig. 2  Facsmile - Tratado de 1777


As guerras napoleônicas opuseram novamente Espanha e Portugal. O Tratado de Badajós (1801) pôs fim ao conflito e determinou, entre outras coisas, que a Colônia do Sacramento passasse para o domínio da Espanha. Como não mencionasse os Sete Povos e parte do Rio Grande, permitiu que Portugal continuasse na posse destes territórios conquistados.

Após 1808, com a vinda da família real para o Brasil, a ação portuguesa sobre o Uruguai tornou-se mais direta, culminando coma ocupação de seu território em 1820 e com a formalização da anexação do Uruguai por meio do Tratado de Incorporação, em 31 de julho 1821. Após a independência do Brasil, o Uruguai continuou anexado ao território brasileiro sob a denominação de Província Cisplatina.

Em 1825 a Banda Oriental do Uruguai, com a mediação da Inglaterra, conseguiu romper o domínio do Brasil sobre seu território, resultando na sua independência em 1828, sob a denominação de República Oriental do Uruguai. A Convenção Preliminar de Paz, de 27 de agosto de 1828 não se referiu aos limites da então criada República Oriental do Uruguai, nunca tendo sido celebrado o tratado definitivo. Os limites entre Brasil e Uruguai só foram definidos pelo Tratado de Limites de 1851.

Fig.3  Marco de Fronteira ao sul da Lagoa Mirim

Por este tratado deixaram de ser reconhecidos todos os tratados e atos anteriores em que se fundavam os direitos territoriais. Por ele foi mantido também o domínio brasileiro das águas até a margem ocidental da Lagoa Mirim e até a margem direita do Rio Jaguarão.

Por meio de ações diplomáticas que resultaram no Tratado da Lagoa Mirim (1909), a República dos Estados Unidos do Brasil cedeu à República Oriental do Uruguai parte dos direitos de soberania total sobre as águas da Lagoa Mirim e do Rio Jaguarão. Esses direitos de soberania, cedidos pelo Brasil, baseavam-se na posse que adquirira e mantivera, desde 1801, das águas e da navegação da Lagoa Mirim e do Rio Jaguarão.

Restava ainda pendente a questão de limites gerada pela instabilidade da foz do Arroio Chuí, fenômeno que tornava móvel a linha divisória entre os dois países. Esta questão foi solucionada pelo acordo firmado em 1972,  entre os dois países, com a fixação da barra do Arroio Chuí por meio de molhes, que tiveram sua construção foi finalizada em 1978.

Permanece ainda indefinido o limite na área da Plataforma Continental, sobre o que concordaram, recentemente, ambos os presidentes em apresentar na Comissão de Limites da Plataforma Continental da Organização das Nações Unidas, uma proposta convergente de demarcação.

Molhes do Arroio Chuí

Fig.4  Barra do Chuí

 

Este retrospecto histórico demonstra que a divisão política do território da Bacia da Lagoa Mirim é relativamente recente em termos históricos, além de ter sido resultante de um processo bastante conflituoso, com avanços e retrocessos no domínio da região. Desde o início da colonização européia, esta região pertenceu integralmente ora a um, ora a outro país. Foi inclusive, por força do tratado de Santo Ildefonso, um território internacionalizado, uma região neutra que não pertencia a nenhuma das nações envolvidas. Somente após a independência do Uruguai e ao conseqüente estabelecimento dos limites com o Brasil, que se realizou em 1851, ficou estabelecido o traçado do limite que separou politicamente este território.

 

Fig.5 Linha divisória na Lagoa Mirim

3. A pressão antrópica sobre o ambiente

Apesar de ser uma região sob risco de poluição, conforme relatam Steinke e Saito[12], a Bacia da Lagoa Mirim possui um ambiente que, comparativamente com áreas mais densamente povoadas, não está submetida a agressões irreversíveis. Daí, a importância de se buscar preservá-lo dentro de um consenso entre Brasil e Uruguai, por meio da gestão ambiental comum da região.

 

 

 

 

mapa

 

Fig.6  Mapa de áreas com risco de poluição na Bacia da Lagoa Mirim,     segundo Steinke e Saito, 2008.

      

 

 

 

Vários são os processos impactantes exercidos pela ação humana na região, além da pecuária, tradicional atividade econômica da região desde o início da colonização européia.

pecuária

Fig.7  Cena da atividade pecuária

 

A agricultura praticada, especialmente o cultivo de arroz irrigado, que ocupa maior área e possui indiscutível importância econômica, impacta seriamente o ambiente. A cultura do arroz necessita de grande volume de água para irrigação; e, também, de proteção das plantas por meio de fungicidas, inseticidas e herbicidas, produtos químicos que se dispersam no ar, diluem-se na água e se depositam no solo.

No Brasil, grandes programas de irrigação e drenagem, como o Pro várzeas – Programa Nacional de Aproveitamento das Várzeas e o Profir-Programa de Financiamento a Equipamentos de Irrigação, incentivaram atividades na bacia da Lagoa Mirim, o que resultou na drenagem de grandes extensões de banhados e no avanço da área cultivável sobre a faixa natural de inundação. 

Canal de irrigação na Lagoa Mangueira

Fig.8   Extração de água da Lagoa Mangueira para irrigação

 

No Uruguai, foram construídos canais de drenagem nos grandes banhados de Rocha, conduzindo as águas para o mar, visando dispor desta área para a agricultura. Além disso, foi realizado um canal ligando a Laguna Negra ao mar, evitando que as águas seguissem seu fluxo natural, em busca dos banhados e da Lagoa Mirim. Estas atividades geraram um conflito jurídico no Uruguai, protagonizado por um conjunto de ONGs ambientalistas e por entidades representativas dos produtores de arroz.

Fig.9  Canais de drenagem dos banhados de Rocha e Laguna Negra

 

Outras áreas, como a da proteção da fauna, estão a exigir uma ação binacional urgente. A caça, dita “esportiva”, é efetuada individualmente, e também por meio de agências organizadas. Muitos caçadores são brasileiros que se deslocam ao país vizinho, levados pela proibição da atividade no Brasil. O alvo destes caçadores são principalmente aves migratórias que procuram a região pela abundância de alimento que encontram. Segundo a imprensa uruguaia, caçadores europeus estariam sendo conduzidos para temporadas de caça no Uruguai, nas vizinhanças dos rios São Luis, Cebollatí e da Lagoa Mirim.

 

 

           http://www.lakemerin.com/pt/fotos.htm

Fig. 10  Destruição da fauna na Lagoa Mirim

 

O cultivo extensivo de espécies florestais exóticas, destinado a fornecer matéria prima para indústrias de celulose, é uma atividade recente, que atinge a região da Lagoa Mirim, tanto no Brasil, como no Uruguai, gerando o embate entre desenvolvimentistas e preservacionistas.  Espécies cultivadas de Pinus e Eucaliptus são vistas respectivamente, como invasoras e como consumidoras excessivas de água.

Fig.11  Florestamento na orla marítima

Aliada ao cultivo destas espécies florestais está a instalação de indústrias de celulose por grandes grupos econômicos. A Votorantin Celulose e Papel - VCP tem planos para implantação de uma fábrica de celulose branqueada de eucalipto, que prevê investimentos de US$ 1,3 bilhão.  Quando implantada, a nova fábrica ocupará uma área de 400 a 500 hectares às margens do Canal de São Gonçalo. No Uruguai, segundo a imprensa, há interesse por parte de grupos estrangeiros de instalar indústrias de celulose na região fronteiriça, próxima à Lagoa Mirim[13]. São ainda desconhecidos estudos sobre o impacto ambiental destas atividades na Bacia da Lagoa Mirim.

Não de menor vulto é o projeto de instalação de uma hidrovia ligando portos brasileiros e uruguaios por meio de um complexo hidroviário na Lagoa Mirim. Este projeto, elaborado separadamente nos dois países, pretende reabilitar a Lagoa Mirim como uma hidrovia que integre o sistema intermodal de transporte internacional de cargas. No Brasil, a Hidrovia do Mercosul consta como prioridade para o período 2008-2011, no Plano Nacional de Logística e Transportes[14], com investimentos previstos no valor de R$ 14,5 milhões, referentes à implantação da ligação Estrela (RS) - Santa Vitória do Palmar, no extremo sul do Rio Grande do Sul.

Recentemente, a Superintendência do Porto do Rio Grande participou no Uruguai de encontro visando a implantação de um terminal lacustre para transporte de cargas, ligando o Nordeste do Uruguai ao Porto do Rio Grande, através da hidrovia Rio Tacuari/ Lagoa Mirim/ Canal de São Gonçalo/ Lagoa dos Patos. A projeção é escoar cargas de grãos e madeira, tendo, como carga de retorno, o transporte de fertilizantes. Para isto, o governo brasileiro teria de realizar a dragagem na ligação entre a lagoa Mirim e o canal São Gonçalo, área conhecida como Sangradouro.

Existe, também, um projeto de implantação da hidrovia elaborado pela UFPEL. Este projeto de Hidrovia, com 650 km de extensão, elaborado com o apoio do Ministério dos Transportes do Brasil e do Embaixador do Brasil no Uruguai, foi apresentado pelo Reitor da UFPEL ao Ministério do Planejamento do Brasil. A implantação da hidrovia (drenagem da lagoa, construção de portos e terminais) seria realizada através do FOCEM – Fundo para a Convergência Institucional do Mercosul, adotado pelos quatro países do bloco econômico (Brasil,Paraguai,Uruguai e Argentina). É apontada como vantagem ambiental do projeto a retirada de 500 mil a três milhões de toneladas de carga por ano, que transitam pela rodovia e passam pela estação ecológica do Taim, na estrada Rio Grande – Chuí, em direção à fronteira (BR 471).

 Não deve ser esquecido, entretanto, que o mesmo volume de carga passará a ser transportado pelo leito da Lagoa Mirim e das demais vias navegáveis a ela relacionadas; o risco ambiental continua existindo, talvez até sendo agravado, pois as regiões das águas marítimas ou interiores são definidas como áreas ecologicamente sensíveis, onde a prevenção, o controle da poluição e a manutenção do equilíbrio ecológico exigem medidas especiais para a proteção e a preservação do meio ambiente, com relação à passagem de navios.

Projetos de tal envergadura não podem ser realizados de forma desarticulada, sem previsão de riscos dentro de uma visão integral do empreendimento. Segmentar a avaliação do impacto ambiental será prejudicial para manutenção da integridade do ambiente atingido.

Em março de 1988, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) promoveu uma conferência na cidade de Basiléia, Suíça, da qual resultou a Convenção da Basiléia para o Controle dos Movimentos Trans-fronteiriços de Resíduos Perigosos e sua disposição. A Convenção da Basiléia entrou em vigor em maio de 1992 e foi promulgada no Brasil em 1993[15]. Os principais objetivos da Convenção da Basiléia são minimizar a geração, controlar e reduzir os movimentos trans-fronteiriços de resíduos perigosos. Brasil e Uruguai são países que individualmente possuem normas legais à respeito; também os dois países são signatários da Convenção da Basiléia .

O que urge é uma ação integrada para eliminar as diferenças entre as legislações internas e formular uma norma binacional padronizada, especialmente relacionada ao transporte fluvial e lacustre na Bacia da Lagoa Mirim.

 

Diferentes projetos tem aflorado de tempos em tempos, impulsionados por grupos políticos ou econômicos. Alguns destes projetos, caso chegassem a ser executados, causariam danos enormes ao ambiente.

Um proposta, que chegou a ser  analisada pela Associação dos Municípios da Zona Sul – Azonasul, entidade que congrega os prefeitos dos municípios do sul do Rio Grande do Sul, pretendia evitar que em épocas de cheias as águas da Lagoa Mirim causassem diminuição da salinidade na da Lagoa dos Patos, o que prejudicaria as safras de camarão. Em tal proposta, um canal a ser localizado a quatro quilômetros da vila do Taim, deveria seria construído para desviar o excesso de água da Lagoa Mirim diretamente para o Oceano Atlântico, desviando as águas que normalmente escoam pelo Canal de São Gonçalo.

Outra proposta, apresentada em 1992 quando uma enchente do Rio Piratini atingiu a cidade de Pedro Osório deixando 10 mil dos 12 mil habitantes do município flagelados. O prefeito municipal, julgando que a causa da enchente era o represamento da água pela mata nativa que margeia o Rio, propôs a retirada de todas as arvores do trecho do rio entre a cidade de Pedro Osório e sua foz no Canal de São Gonçalo.

Caso não exista um mecanismo forte de controle binacional, medidas semelhantes a estas, que raiam ao absurdo, podem ser tomadas, em determinado momento, como bandeiras políticas e acabar sendo executadas concretamente, gerando danos extensos e irreparáveis.

 

 

Capítulo II
Gestão Ambiental Binacional

A gestão de uma Bacia de Drenagem Internacional, como a Bacia da Lagoa, só pode ser realizada em um plano de ampla cooperação internacional. Diferentes acordos focam o ambiente do Brasil e do Uruguai, como o Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do MERCOSUL, o Tratado de Cooperação para o Aproveitamento dos Recursos Naturais e o Desenvolvimento da Bacia da Lagoa Mirim – Tratado da Lagoa Mirim, a Ata de Jaguarão e o Acordo sobre Cooperação em Matéria Ambiental. Destes, o Tratado da Lagoa Mirim[16] é o que trata mais diretamente da região, embora primordialmente sobre o aspecto econômico. Por este acordo, ficou estabelecida a Comissão Mista para o Desenvolvimento da Lagoa Mirim – CLM como órgão executor do tratado. A legislação interna do Brasil e a do Uruguai sobre a questão ambiental são aproximadas, sendo ambas aplicadas por sistemas administrativos nacionais independentes, que funcionam dentro do espaço de soberania de cada país. A integração entre os dois países, para levar a resultados objetivos de proteção ambiental da Bacia da Lagoa Mirim, precisa avançar para a gestão da região em regime de condomínio binacional.  

 

1.  Gestão Ambiental e soberania

A questão ambiental tem sido foco de crescente preocupação internacional, refletida na busca de maior entendimento entre as nações para sua preservação, sendo que a disponibilidade de água, em quantidade e qualidade, tem sido objeto de especial interesse.

No Direito Internacional, o uso equânime de águas fronteiriças constitui-se num dos principais temas, devido às implicações que esta questão apresenta em diferentes áreas da vida das nações, como aspectos ambientais, sociais, políticos, econômicos, geográficos, e muitos outros, aí englobados.

Os rios, os lagos e outros corpos d’água podem se constituir em recursos hídricos internacionais. Os rios internacionais, quando servem de divisa entre países são denominados contíguos; ou, quando seu curso atravessar de um país para outro, são chamados de rios sucessivos.

O uso do conceito de rio internacional evoluiu entre as nações para o conceito de Bacia Hidrográfica Internacional. As Regras de Helsinque, referentes à utilização das águas dos rios internacionais, foram adotadas em 1966 pela Associação de Direito Internacional, durante a 52ª Conferência de Helsinque. Estas regras foram fundamentais para a formulação das diferentes normas sobre a utilização equitativa das águas transfronteiriças e  proteção às águas compartilhadas.

O conceito de bacia de drenagem internacional, aí formulado, segundo Yahn Filho [17], é o de que se trata de uma zona geográfica que se estende entre dois ou vários Estados e é determinada pelos limites da área de alimentação do sistema das águas, incluindo as águas de superfície e as águas subterrâneas, que escoem em uma embocadura comum.

A Convenção das Nações Unidas sobre a Utilização dos Cursos de Água Internacionais para fins Distintos da Navegação, de 1997, estabeleceu como conceito de curso de água internacional um sistema de águas de superfície e de águas subterrâneas que constituem, pelo fato de suas relações físicas, um conjunto unitário e chegam normalmente a um ponto comum[18]. Esta convenção não adotou o conceito reduzido de rio internacional, nem o amplo de bacia hidrografia internacional.

Associação de Direito Internacional realizou uma revisão dos conceitos das Regras de Helsinki, tendo adotado no ano de 2004 as Regras de Berlin, seguindo a definição de Bacia de Drenagem Internacional e ampliando o alcance para as águas subterrâneas, reconhecendo a integridade ecológica das águas nas suas dimensões biológica, química e física.

Na América do Sul, o Tratado da Bacia da Prata, assinado em 28 de abril de 1969 por Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai, entrou em vigor em 14 de agosto de 1970. Este acordo fixou as linhas gerais de um plano de cooperação entre estados ribeirinhos, sendo o início de uma política de transformação dos limites entre países em fronteiras de cooperação, integrando os países da Bacia do Rio da Prata.

Na Bacia da Lagoa Mirim, a aplicação do conceito de Bacia de Drenagem Internacional  amplia a área compartilhada, dos originais 3.749 km² da Lagoa Mirim, para 62.250 km² da Bacia de Drenagem da Lagoa Mirim, localizados em partes aproximadamente iguais no Brasil e no Uruguai.

Pelo conceito de interdependência hidrológica, o compartilhamento de águas internacionais caracteriza uma relação de interdependência entre os países ribeirinhos, na medida em que a ação de um deles pode comprometer os interesses dos demais.[19]

A gestão ambiental conjunta de áreas compartilhadas é particularmente difícil quando a fronteira política divide um sistema natural, como um rio ou um lago, situação que no Brasil corresponde à metade das fronteiras continentais.

A Lagoa Mirim, pertencente hoje a dois países, Brasil e Uruguai, constitui-se num único sistema natural, dividido  por uma linha limite imaginária. Junto com as bacias dos outros cursos de água tributários deste sistema, conforma-se outro sistema, ainda mais amplo, que é o da Bacia Hidrográfica da Lagoa Mirim.

 

Fig.12 Imagem da Bacia da Lagoa Mirim

 

Uma bacia hidrográfica pode ser definida como uma unidade natural, territorialmente delimitada, que abrange da nascente à foz dos rios e de seus tributários, além de outros corpos de água interligados e dos diferentes ecossistemas que a integram.

A água atua como elemento de ligação entre os diversos componentes ambientais da bacia hidrográfica, a qual se constitui numa unidade ambiental e econômica, podendo ser objeto de aplicação dos princípios de manejo sustentado, tanto em sentido mais estrito, visando atenuar desequilíbrios num ecossistema; quanto em sentido amplo, para preservação das áreas naturais.

Nas águas de fronteira, em bacias hidrográficas compartidas, como no caso da Bacia da Lagoa Mirim, os problemas são complexos, considerando que qualquer intervenção realizada em um ponto da bacia pode repercutir nos países a compartilham.

Conforme LE PRESTRE[20], referindo-se a efeitos trans-fronteiriços, os Estados não podem explorar os recursos naturais sem ter em conta os outros estados vizinhos, o que já foi acordado em diversos tratados internacionais.

O princípio da soberania é a base constitucional dos ordenamentos jurídicos nacionais. Nas constituições brasileiras, por exemplo, ele sempre esteve presente, quer de forma explícita, como na Constituição de 1988, quer de forma implícita, como em cartas constitucionais anteriores.

No Tratado da Bacia do  Prata, ficou clara a intenção dos partícipes de preservar suas soberanias e garantir a liberdade de executar obras de seu interesse, no plano interno, sem interferência externa. No Tratado da Lagoa Mirim, repete-se este princípio de preservação da soberania dos dois países envolvidos, como se vê na alínea A, do art. 3 º: As Partes Contratantes, de acordo com o objeto do presente Tratado  adotarão, em suas respectivas jurisdições, de acordo com seus planos e prioridades, as medidas adequadas para promover o desenvolvimento da Bacia.

A soberania compartilhada, pelo entendimento jurídico-ambientalista mais atual, é a forma mais adequada de se promover a cooperação entre os Estados na solução de problemas ambientais em regiões homogêneas,  situadas em países distintos. Para o manejo sustentado de uma bacia hidrográfica compartilhada, é necessário um variado espectro de ações internacionais, que derivam das peculiaridades geográficas, sociais e políticas de cada nação envolvida. Tratando-se de relações internacionais, os entendimentos deverão ser norteados pelos princípios diplomáticos que regem o entendimento entre nações soberanas.[21]

2. A questão ambiental no MERCOSUL

O MERCOSUL possui o objetivo, prioritariamente comercial, de alcançar a ampliação dos mercados dos países membros através da integração. Pelo preâmbulo do Tratado de Assunção, esse objetivo deve ser buscado mediante o “mais eficaz aproveitamento dos recursos disponíveis” e “da preservação do meio ambiente”. Entretanto, as referências ao meio ambiente são realizadas em função das relações comerciais do processo de integração, e não pela importância dada ao equilíbrio da natureza, é uma visão econométrica da questão ambiental, onde o discurso econômico se sobrepõe ao discurso integracionista e ambientalista. Mesmo assim, é forçoso reconhecer que o Tratado indica caminhos que, caso trilhados pelos diferentes países, podem levar a ações concretas em benefício do meio ambiente. Dentro da estrutura do MERCOSUL, a questão ambiental é tratada no Subgrupo de Trabalho Meio Ambiente – número seis (denominado SGT 6), que está vinculado ao Grupo Mercado Comum. No âmbito do SGT 6 foi elaborado e aprovado o Acordo Quadro sobre Meio Ambiente do MERCOSUL, em 22 de junho de 2001,  em substituição ao Protocolo Ambiental do MERCOSUL.

O Acordo Quadro reafirma compromissos da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada no Rio de Janeiro em 1992, em especial o do desenvolvimento sustentável, preconizado na Agenda 21[22]. Para obter a efetividade da proteção ambiental no MERCOSUL, o Acordo Quadro, propõe que os Estados Partes implementem, dentre outras ações, o estímulo e a harmonização das diretrizes legais e institucionais com o objetivo de prevenir, controlar e mitigar os impactos ambientais nos Estados Partes, com especial atenção às áreas fronteiriças.

Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do MERCOSUL foi aprovado no mês de junho de 2001, em Assunção, substituindo o Protocolo Ambiental do MERCOSUL[23]. O Acordo reafirma o compromisso com a busca de qualidade de vida e o desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável; reconhece a importância da cooperação entre os Estados Partes com o objetivo de apoiar e promover a implementação de seus compromissos internacionais em matéria ambiental.

O Acordo-Quadro, objetivando a implementação e a instrumentalização dos princípios enunciados na Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, afirma que os  Estados Partes deverão orientar suas ações pelos seguintes princípios:

a) promoção da proteção do meio ambiente e aproveitamento mais eficaz dos recursos disponíveis mediante a coordenação de políticas setoriais, com base nos princípios de Gradualidade, Flexibilidade e Equilíbrio;

b) incorporação da componente ambiental nas políticas setoriais e inclusão das considerações ambientais na tomada de decisões que se adotem no âmbito do MERCOSUL para fortalecimento da integração;

c) promoção do desenvolvimento sustentável por meio do apoio recíproco

entre os setores ambientais e econômicos, evitando a adoção de medidas

que restrinjam ou distorçam de maneira arbitrária ou injustificável a livre

circulação de bens e serviços no âmbito do MERCOSUL;

d) tratamento prioritário e integral às causas e fontes dos problemas

ambientais;

e) promoção da efetiva participação da sociedade civil no tratamento das

questões ambientais; e

f) fomento à internalização dos custos ambientais por meio do uso de

instrumentos econômicos e regulatórios de gestão.

Entre os compromissos propostos pelo Acordo-Quadro estão os de inserir a variável ambiental em todas as pautas de trabalho que contemplem as áreas temáticas previstas no Anexo do referido Instrumento e, especialmente promover o desenvolvimento sustentável como decorrência de uma articulação entre as dimensões econômica, social e a ambiental, contribuindo para uma melhor qualidade do meio ambiente e da vida das populações.

Para obter a efetividade da proteção ambiental no MERCOSUL, o Acordo-Quadro, propõe que os Estados Partes implementem, dentre outras, as seguintes ações:

a) incrementar o intercâmbio de informação sobre leis, regulamentos,

procedimentos, políticas e práticas ambientais, assim como seus aspectos

sociais, culturais, econômicos e de saúde, em particular aqueles que

possam afetar o comércio ou as condições de competitividade no âmbito do  MERCOSUL;

b) incentivar políticas e instrumentos nacionais em matéria ambiental,

buscando otimizar a gestão do meio ambiente;

c) buscar a harmonização das legislações ambientais, levando em

consideração as diferentes realidades ambientais, sociais e econômicas dos países do MERCOSUL;

d) identificar fontes de financiamento para o desenvolvimento das

capacidades dos Estados Partes, visando a contribuir com a implementação do presente Acordo;

e) contribuir para a promoção de condições de trabalho ambientalmente

saudáveis e seguras para, no marco de um desenvolvimento sustentável,

possibilitar a melhoria da qualidade de vida, o bem-estar social e a geração de emprego;

f) contribuir para que os demais foros e instâncias do MERCOSUL

considerem adequada e oportunamente os aspectos ambientais pertinentes;

g) promover a adoção de políticas, processos produtivos e serviços não

degradantes do meio ambiente;

h) incentivar a pesquisa científica e o desenvolvimento de tecnologias

limpas;

i) promover o uso de instrumentos econômicos de apoio à execução das

políticas para o desenvolvimento sustentável e a proteção do meio

ambiente;

j) estimular a harmonização das diretrizes legais e institucionais com o objetivo de prevenir, controlar e mitigar os impactos ambientais nos Estados Partes, com especial atenção às áreas fronteiriças;

k) prestar, de forma oportuna, informações sobre desastres e emergências

ambientais que possam afetar os demais Estados Partes e, quando possível, apoio técnico e operacional;

l) promover a educação ambiental formal e não formal e fomentar

conhecimentos, hábitos de conduta e a integração de valores orientados às

transformações necessárias ao alcance do desenvolvimento sustentável no

âmbito do MERCOSUL;

m) considerar os aspectos culturais, quando pertinente, nos processos de

tomada de decisão em matéria ambiental; e

n) desenvolver acordos setoriais, em temas específicos, conforme seja

necessário para a consecução do objetivo deste Acordo.

O Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do MERCOSUL apresenta um elenco de objetivos, instrumentos e compromissos destinados a efetivar a tutela ambiental.

Entretando, para que se concretizem suas disposições, é necessário o aperfeiçoamento de mecanismos de cooperação regional, para uma atuação coordenada entre países e organismos internacionais.

As questões ambientais, quando tratadas individualmene entre os países, ficam à margem do estabelecido pelo bloco do MERCOSUL, sujeitas aos interesses que anima cada país na ocasião.

Além deste Acordo, o Foro de Ministros também criou a Reunião de Ministros de Meio Ambiente do MERCOSUL, em 12 de dezembro de 2003. A reunião de ministros é o foro de influência política de representantes dos poderes executivos de cada parte, funciona como uma espécie de órgão consultor para as decisões do MERCOSUL relacionadas ao meio ambiente.

A inexistência de um sistema judiciário do MERCOSUL tem dificultado a aplicação da legislação internacional na preservação de ecossistemas. Sendo assim, cada país aplica suas normas, dentro de seus limites. Do mesmo modo, não dispõe a comunidade de órgãos executivos de suas orientações ambientais.

Conflitos, como os que enfrentam no presente Uruguai e Argentina gerados pela construção de indústrias de celulose às margens do Rio da Prata, em território uruguaio, demonstram que a harmonia na proteção ambiental dentro do espaço do MERCOSUL é uma questão em grande parte restrita à letra do Tratado.

Por outro lado, a crise econômica atual apresenta-se como um desafio para a efetivação de medidas de proteção ambiental, pois a perspectiva  econômica norteia a visão dos governantes na estruturação de suas políticas, as quais, muitas vezes, apresentam caráter imediatista, deixando à margem a questão ambiental. No Brasil, por exemplo, o poder executivo, nos distintos níveis administrativos, interfere nos órgãos de controle ambiental quando estes ameaçam atividades politicamente interessantes. São exemplos marcantes os fatos recentes, ocorridos com o IBAMA e com a FEPAM em relação às hidrelétricas do rio Madeira e aos projetos de florestamento industrial, respectivamente.

Como fato positivo de cooperação binacional para solução de um conflito ambiental transfronteiriço, situa-se o acordo bilateral efetuado entre Brasil e Uruguai, destinado ao controle da poluição atmosférica causada pela Usina Termoelétrica de Candiota.

Tal acordo, a Ata de Jaguarão, de 1990, atingiu resultados concretos em benefício ao ambiente dos dois países e, consequentemente, ao do território compreendido pelo MERCOSUL. Isto possibilitou, posteriormente, a elaboração da Declaração Conjunta sobre Meio Ambiente,  assinada pelos Presidentes do Brasil e do Uruguai, em 1991, e a assinatura do Acordo sobre Cooperação em Matéria Ambiental entre estes dois países, em 1992.

Por outro lado, outros dois casos revelam situações de potencial conflito entre países membros. O primeiro é o do Tratado de Itaipu, para construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, um empreendimento binacional do Brasil e do Paraguai, com conseqüências negativas em território Argentino. Esta situação criou a necessidade de equacionar o problema por meio de um outro acordo, o Tratado para o Aproveitamento dos Recursos Hídricos Compartilhados dos Trechos Limítrofes do Rio Uruguai e de seu Afluente o Rio Pepiri-Guaçu, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Argentina.

O segundo caso, já citado, é o de indústrias de celulose localizadas na margem esquerda do Rio Uruguai, em Fray Bentos, no território do Uruguai, confronte a localidade argentina de Gualeguaychu. Em que pese a existência de diferentes instâncias de integração entre Argentina e Uruguai, como o Tratado de Assunção, o Estatuto do Rio Uruguai (1975) e a Comissão Administradora do Rio Uruguai (CARU), o conflito chegou ao Tribunal Internacional de Justiça sem acordo anterior entre as partes.

3. Cooperação entre Brasil e Uruguai

Existe muita semelhança entre os sistemas normativos  brasileiro e uruguaio, no que trata da proteção ambiental.

O Uruguai, através da Reforma Constitucional ocorrida em 1996, elevou a nível constitucional o conceito de Meio Ambiente, determinando a responsabilidade do Poder Público e da coletividade na preservação e defesa geral do meio ambiente. Disposição semelhante já havia sido realizada pelo Brasil na Constituição de 1988, através do texto inovador de seu Art. 225.

Vários outros dispositivos constitucionais uruguaios oferecem suporte para uma garantia constitucional do meio ambiente.  É o caso do artigo 7°, que se refere ao direito à vida; ou do artigo 72, quando assegura, além dos direitos e garantias individuais relacionados naquela Constituição, outros direitos inerentes à personalidade humana; ou ainda do Artigo 32, que estabelece a função social da propriedade.

Tal como o Brasil, o Uruguai tem apresentado uma evolução significativa em sua legislação ambiental, destacando-se, entre outras leis, o Código de Águas, de 1979; a incorporação ao Código Processual da Teoria dos Interesses Difusos, (artigo 42, em 1989); a avaliação de impacto ambiental, exigida pela Lei Nº. 16.466/94 – Ley de Evaluación del

Impacto Ambiental - que subordina a execução de determinadas atividades à obtenção de uma licença prévia que será conferida após a realização do estudo de impacto ambiental; e a Lei Nº. 17.283, de fevereiro do 2001,   a Lei Geral de Preservação do Meio Ambiente, seguindo o mandato do artigo 47 da Constituição da Republica, explicitando a política nacional de meio ambiente do Uruguai.

Além disso, destaca-se a criação do PROBIDES – órgão de estudo da biodiversidade, integrado pelo Ministério do Meio Ambiente e a Universidade Nacional do Uruguai.

Há grande semelhança entre o Brasil e o Uruguai nos processos que condicionam o início da obra ao licenciamento, passando pela avaliação e expedição de licença. Igualmente os dois países determinam a publicidade do processo de avaliação de impacto ambiental[24].

Mecanismo fundamental para a evolução harmônica das questões ambientais nos dois países é o Acordo sobre Cooperação em Matéria Ambiental, em 1992, promulgado cinco anos mais tarde pelo Governo Brasileiro (Decreto Nº. 2.241, de 2 de junho de 1997).Os objetivos principais da cooperação do Acordo Bilateral são  proteção, conservação, recuperação do meio ambiente; gestão, conservação e o uso racional dos recursos naturais para fins domésticos, urbanos, científicos, agropecuários, indústrias, de transporte, turismo e econômico. Os dois países estabelecem, por este Acordo, métodos para monitoramento e avaliação de impacto ambiental, bem para o seu aperfeiçoamento. Abrange também questões sobre impactos ambientais na região de fronteira; sobre proteção da saúde e elevação do bem estar social e econômico dos habitantes da fronteira; sobre a troca de informações e cooperação sobre questões relativas ao meio ambiente e desenvolvimento.O segundo artigo desse Acordo define como zona fronteiriça a área compreendida em um espaço de cento e cinqüenta quilômetros em ambos os lados das linhas divisórias terrestres, fluviais e marítimas existentes entre as Partes Contratantes.

Para a execução do Acordo formou-se a Comissão de Cooperação, subordinada às respectivas chancelarias. Esta Comissão, tem a atribuição de realizar programas para o monitoramento do ar, dos recursos hídricos, dos solos, da vegetação, da fauna e do ambiente sócio-econômico.  O Acordo busca a harmonização da legislação ambiental dos dois paises, especialmente em relação à qualidade  ambiental e à questões específicas, como fertilizantes e defensivos químicos, tratamento de resíduos, saneamento e águas servidas de cidades e áreas urbanas fronteiriças contíguas. MM

O Tratado da Lagoa Mirim - Historicamente, o interesse da República Oriental do Uruguai na região da Bacia da Lagoa Mirim baseou-se na navegação na Lagoa Mirim e nos cursos d’água relacionados a ela; no aproveitamento agrícola da região conhecida como Banhados de Rocha; e na possibilidade da construção na região de um porto oceânico de águas profundas.

 Para o Brasil a região interessava pelas grandes possibilidades agrícolas da região, fortalecidas pelo imenso reservatório de água da Bacia da Lagoa Mirim, e, também, pela importância geopolítica como região fronteiriça.

As duas nações possuíam interesses semelhantes na consideração das águas compartilhadas como base do desenvolvimento regional. No início da década de 60, o Uruguai solicitou ao Fundo Especial para o Desenvolvimento das Nações Unidas auxílio para a elaboração de um plano de recuperação agrícola dos Banhados de Rocha. O Brasil, na mesma ocasião, fez solicitação semelhante para desenvolver a região da Lagoa Mirim em seu território. As Nações Unidas solicitou, então, aos dois países, a apresentação de um projeto comum. Deriva daí a criação da Comissão Mista para O Desenvolvimento da Bacia da Lagoa Mirim – CLM, criada em 1963.

Em 1978, como conseqüência da evolução das conversações binacionais, foi assinado o Tratado de Cooperação para o Aproveitamento dos Recursos Naturais e o Desenvolvimento da Bacia da Lagoa Mirim[25]. Como executora do Tratado foi designada a Comissão Mista para o Desenvolvimento da Lagoa Mirim (CLM), criada em 1963.

A Comissão Mista Brasileiro-Uruguaia para o Desenvolvimento da Bacia da Lagoa Mirim (CLM), composta por uma Seção Brasileira e por uma Delegação Uruguaia, foi criada em 26 de abril de 1963 e consolidada pelo Tratado da Lagoa Mirim (Art. 6°), sendo responsável pela execução deste.

Cabe à CLM, de acordo com o Tratado (Art. 10°), as seguintes funções:

a) estudar diretamente ou através de entidades nacionais ou internacionais os assuntos técnicos, científicos e sociais relacionados com o desenvolvimento da área da Bacia da Lagoa Mirim;

b) apresentar aos Governos a descrição completa e pormenorizada dos estudos, planos e projetos de obras e serviços comuns;

c) gestionar e contratar, com prévia autorização expressa dos Governos em cada caso, o financiamento de estudos e obras;

d) supervisionar a execução de projetos, obras e serviços comuns e coordenar seu ulterior funcionamento;

e) celebrar os contratos necessários para a execução de projetos aprovados pelos Governos, requerendo destes, em cada caso sua autorização expressa;

f) propor a cada um dos Governos a realização de projetos e obras não comuns relacionados com o desenvolvimento da Bacia da Lagoa Mirim;

g) formular sugestões aos Governos acerca de assuntos de interesse comum relacionados com o desenvolvimento econômico e social da Bacia;

h) constituir os órgãos subsidiários que estime necessários, dentro dos termos previstos no Estatuto;

i) propor a cada um dos Governos projetos de normas uniformes sobre assuntos de interesse comum relativos, entre outros, à navegação; prevenção de contaminação; conservação, preservação e exploração de recursos vivos; e colocação de tubulações e cabos subfluviais e aéreos

j) as demais que lhe sejam atribuídas pelo Tratado e as que as Partes Contratantes convenham em outorgar-lhe, por trocas de notas ou outras formas de acordos

A Agência de Desenvolvimento da Bacia da Lagoa Mirim (ALM), foi criada no Brasil por força do Decreto 1.148 de 26 de maio de 1994, quando da transferência para a Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) do acervo técnico-científico e patrimonial, bem como a administração das obras (Barragem Eclusa do São Gonçalo e Distrito de Irrigação do Chasqueiro) anteriormente sob a responsabilidade do Departamento da Lagoa Mirim da extinta SUDESUL.

A ALM atua como instituição voltada para o desenvolvimento da Bacia da Lagoa Mirim - lado brasileiro - e como organismo operativo e de apoio à Seção Brasileira da CLM, sempre de forma articulada com os Ministérios representados no âmbito desta última (das Relações Exteriores, da Integração Nacional e do Meio Ambiente) e com vários outros (Agricultura, Educação Desenvolvimento, Transportes) quando em ações e projetos específicos.

Além de administrar projetos, cabe à ALM a responsabilidade pela operação e manutenção da Barragem Eclusa do Canal São Gonçalo, pela administração da Barragem e do Distrito de Irrigação do Arroio Chasqueiro e pela operação de parte da Rede Hidrometeorológica e de Qualidade da Água do lado brasileiro da Bacia da Lagoa Mirim

Pelo Decreto Nº. 4.258, de 4 de junho de 2002, que ratifica a condição da ALM como instituição de apoio administrativo, técnico e financeiro, de forma complementar ao Ministério da Integração Nacional, esta, passa a ser Sede Executiva da Seção Brasileira da CLM.

A Barragem Eclusa do Canal de São Gonçalo é o grande resultado concreto do Tratado da Lagoa Mirim. Localizada no Canal São Gonçalo, distante 3 Km da Cidade de Pelotas, a Barragem-Eclusa, em operação desde 1977, foi construída com a finalidade de evitar a intrusão de água salgada na Lagoa Mirim. Assegura, principalmente,  a qualidade da água para irrigação de 170 mil ha de arroz em terras brasileiras e uruguaias. A barragem consta de uma estrutura transversal ao Canal São Gonçalo, com 245 m de comprimento e 18 comportas basculantes. Apresenta uma Eclusa com 120m de comprimento, 17m de largura e 5m de profundidade, permitindo a passagem de embarcações.

Sua construção foi justificada por favorecer a utilização da riqueza potencial da região (excelência e extensão de terras planas e considerável volume de água doce); garantir a preservação da qualidade da água para o uso humano, agrícola e industrial, especialmente o abastecimento de água para a cidade de Rio Grande e o futuro abastecimento de água para Pelotas. A barragem é a obra de maior impacto econômico e ambiental executada na Bacia da Lagoa Mirim.

Barragem Eclusa

Fig. 14  Barragem Eclusa do Canal de São Gonçalo: bloqueio do fluxo natural da água

No município brasileiro de Arroio Grande a Barragem do Arroio Duro foi construída pelo Ministério do Interior, dentro do Programa da Lagoa Mirim – PROMIRIM. Esta obra, que permite a irrigação de 6500 ha, sendo de pequeno impacto econômico e ambiental.

Outras obras, como as barragens binacionais de Centurião e Talavera, destinadas também à produção de energia, e que seriam situadas no Rio Jaguarão, nunca foram construídas.

A atividade da CLM tem passado por longos períodos de letargia, decorrentes da falta de interesse dos governos envolvidos.

 A morosidade na implementação das políticas de gerenciamento da Bacia da Lagoa Mirim é refletida no fato de que o Projeto Piloto de Gestão Integrada e Sustentável de Recursos Hídricos e Ambientais nas Bacias da Lagoa Mirim e do Rio Quarai, foi apresentado somente em 2003, um quarto de século após a assinatura do tratado. Em 2005, Conselho Nacional de Recursos Hídricos, órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente, efetuou uma moção recomendando a implementação deste plano, forçando o início das tratativas para sua concretização, o que ainda não foi realizado.

Quanto ao Uruguai, a delegação uruguaia junto à CLM não dispõe de um braço operacional, como a ALM, o que dificulta a execução dos projetos e atos previstos neste país.

Levado, entretanto, pela preocupação ambiental da sociedade regional, o Uruguai estabeleceu em 1999 um programa pluri-institucional, intitulado Programa de Conservación de la Biodiversidad y Desarrollo Sustentable en los Humedales Del Este – PROBIDES, que realiza trabalhos conjuntos com entidades brasileiras por meio da Agência Brasileira de Cooperação, (órgão do Ministério das Relações Exteriores), envolvendo especialmente a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária e a Universidade de Brasília.

 

4. Caminhos para a integração        

A Convenção Sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional, conhecida  como Convenção Ramsar,[26] foi assinada em 1971 e entrou em vigor em 1975. Ratificada pelo Brasil em 1993, entrou em vigor a partir de maio de 1996 ( Decreto 1905/96). Com a ratificação, nosso país  assumiu o compromisso de trabalhar para o uso sustentável das suas zonas úmidas, através do planejamento territorial, desenvolvimento de políticas, de legislação, de ações de gestão e de educação da população. Comprometeu-se, também, a assegurar a correta e efetiva gestão, e a cooperar internacionalmente em relação a zonas úmidas transfronteiriças, a sistemas partilhados e zonas úmidas, espécies comuns e projetos de desenvolvimento que possam afetar zonas úmidas.

O Brasil possui sete áreas úmidas inscritas na Convenção Ramsar, sendo seis na Região Norte e uma na Região Sul. Esta área, o Parque Nacional da Lagoa do Peixe, localizado na Planície Costeira do Rio Grande do Sul.

A UNESCO também estabelece áreas denominadas Reservas da Biosfera, com base na Conferência da Biosfera, realizada em 1968, e no programa Homem e Biosfera, lançado em 1970. Reservas da Biosfera são ambientes marinhos e terrestres, representativos, reconhecidos internacionalmente pelo seu valor na conservação ambiental.

O Uruguai possui designada como Sítio Ramsar  uma área que compreende as lagoas de Castilhos e Negra, bem como parte dos rios Jaguarão, Olimar, Cebollati e de outros cursos d’água, além  da Lagoa Mirim e das planícies inundáveis vizinhas.

No litoral sul do Brasil, o Parque Nacional da Lagoa do Peixe, com 34.400 ha,  já é reconhecido como Sítio Ramsar.

 Desde a década de 70, o Uruguai possui como Reserva da Biosfera da UNESCO, a Reserva dos Humedales del Este, na província de Rocha, uma continuidade dos banhados e do cordão lagunar da planície costeira rio-grandense.

 São ecossistemas similares, submetidos a pressões antrópicas semelhantes, como a presença de grandes áreas de plantações de arroz, pecuária e, presentemente, com extensas áreas florestadas com espécies florestais exóticas.

O Brasil possui como Reserva da Biosfera as áreas remanescentes da Mata http://www.rbma.org.br/anuario/images/mapa_bacias_hidrograficas.jpgAtlântica.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                     Fig. 15 Domínio da Mata Atlântica

A Reserva da Biosfera da Mata Atlântica - RBMA. é a maior reserva da biosfera em área florestada do planeta, com cerca de 35 milhões de hectares, abrangendo áreas de 15 estados brasileiros.[27]

Ambas as reservas, a da Mata Atlântica e a dos Humedales Del Este, são inscritas como Reserva da Biosfera da UNESCO e a Rede Ibero-Americana das Reservas da Biosfera, apoiada pela UNESCO, coordena atividades de integração das reservas.

A Reserva da Biosfera da Mata Atlântica contou inicialmente, no Rio      Grande do Sul com 40.174 km2, isto é, 14,02% do território gaúcho.

Esta área foi posteriormente ampliada para 48.695 km2, anexando  uma região localizada na planície costeira, totalizando, atualmente,  852.184 ha., distribuídos em 165.443 ha. de zona núcleo, 253.197 ha. de zona de amortecimento e 433.544 ha. de zona de transição.

A ampliação da RBMA integra o Parque Nacional da Lagoa do Peixe e a Estação Ecológica do Taim aos demais ecossistemas da planície costeira. Estas duas unidades de conservação são importantes locais de pouso, reprodução e desenvolvimento de aves migratórias do Hemisfério Norte. A recente área reconhecida inclui como zonas núcleo o Parque Estadual do Camaquã (localizado no município de Camaquã, incluindo o Banhado do Caipira, o Rincão do Escuro, as ilhas do rio Camaquã, a margem da Lagoa dos Patos, desde o Banhado do Caipira até o Pontal, e o vale do rio Camaquã até Pacheca) e a Reserva Biológica do Mato Grande (situada no município de Arroio Grande, incluindo o Banhado Mato Grande, junto à Lagoa Mirim, e o Canal de São Gonçalo, a sudoeste de Santa Isabel), além dos banhados, da vegetação de restinga, das faixas marginais de cursos d’água de lagunas e de lagoas.

A porção brasileira da Bacia da Lagoa Mirim está incluída dentro de uma entidade ambiental, a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, que a une a áreas localizadas até nas distantes, nos sentidos geográfico e ambiental, regiões do norte e nordeste brasileiros[28]. Por outro lado, esbarra na imaterial linha limite que separa o Brasil do Uruguai e isola-se de sua porção indivisível por natureza, que se estende pelo território uruguaio.

É como se uma barreira, representada pelo limite político entre os dois países, impeça que muitas pessoas e instituições envolvidas nos processos governamentais e acadêmicos de proteção ambiental tenham consciência de sua intrínseca unidade natural e deixem de lutar pela construção de um processo único de gestão binacional da região.

Atualmente, as partes contratantes da Convenção Ramsar caminham para a designação de seus sítios Ramsar novos ou já existentes, como Sítios Ramsar Transfronteiriços. Isto implica que, se uma área úmida ecologicamente homogênea se estende através das fronteiras nacionais, as autoridades do sitio Ramsar em ambos os lados da fronteira concordam oficialmente colaborar conjuntamente com seu manejo.

A designação conjunta de áreas como sítio Ramsar é um passo para um acordo binacional mais amplo de gestão conjunta de áreas de importância ambiental. Diversos países contíguos, como Costa Rica e Panamá; Espanha e França; Costa do Marfim e Guiné; já efetuaram esta espécie de designação conjunta.

Kotzian e Marques acreditam que existam os pré-requisitos mínimos para a designação conjunta, por Brasil e Uruguai, da Lagoa Mirim e suas adjacências como Terra Úmida de Importância Internacional, conforme os parâmetros estabelecidos na Convenção Ramsar.

Esta designação dependeria de acordos binacionais entre Brasil e Uruguai para o encaminhamento conjunto das informações à Convenção Ramsar, onde o Uruguai já designou a área dos Banhados de Rocha, localizada na Bacia da Lagoa Mirim e o Brasil já possui inscrita a região do Parque Nacional da Lagoa do Peixe.

A designação conjunta da Bacia da Lagoa Mirim à Convenção Ramsar daria início a um novo patamar de cooperação binacional na gestão ambiental deste território.

Existe um precedente de cooperação binacional, por meio da designação de

Tratando da possibilidade de construção de uma gestão comum do Parque um território de condomínio do Brasil e de um país vizinho. Este precedente é o Tratado de Itaipu - Tratado para o Aproveitamento Hidrelétrico dos Recursos Hídricos do Rio Paraná, que passou a vigorar em 1973, destinado a permitir a construção da Hidrelétrica de Itaipu. A ITAIPU Binacional, empresa executora dos objetivos do tratado, é uma entidade de Direito Internacional, construída com o instituto do condomínio e da soberania comum entre os dois Estados signatários. A Empresa é detentora de plena capacidade jurídica, financeira e administrativa, sendo sua administração de natureza binacional[29] [30]. Tratando da possibilidade de construção de uma gestão comum do Parque Nacional do Iguaçu/Iguazú, e de Unidades de Conservação ou de Áreas Protegidas no MERCOSUL, Luciana Mendonça levanta, já  em 2000, que o processo de gestão ambiental comum deveria ser análogo ao adotado para gestão da usina hidrelétrica binacional, através do Tratado de Itaipu. 

Igualmente ao abrigo do Tratado de Itaipu, encontra-se outro precedente de condomínio binacional. Na fronteira dos dois países, entre o departamento paraguaio de Kanendiyu e o Estado brasileiro do Mato Grosso do Sul, situa-se o Refúgio Binacional de Maracaju, que abrange uma área de 1356 ha, em litígio de limites.

A instituição desta área de proteção ambiental, sob regime de condomínio, indica a possibilidade legal de se estender esta nova forma de colaboração a outras regiões, desde que haja interesse político entre os governos envolvidos.

Uma figura semelhante ao de Empresa Pública Internacional, empregada no caso de Itaipu, poderia ser a solução para a gestão do território binacional da Lagoa Mirim.

A motivação econômica, aliada à necessidade de solucionar antigas pendências de limites, estimulou a  criatividade dos governos brasileiro e paraguaio para concretizar a Itaipu Binacional e seu anexo Refúgio Binacional de Maracaju.

O interesse em promover, concreta e urgentemente, a defesa do ambiente e o desenvolvimento sustentável do território binacional da Bacia da Lagoa Mirim, pode levar à construção de uma entidade binacional autônoma, portadora dos poderes decisórios e executivos necessários para tal fim.

Exemplo desta nova figura binacional, que se imagina a indicada para a gestão ambiental da Bacia da Lagoa Mirim, encontra-se em funcionamento no cimo dos Andes: a Autoridade Binacional Autônoma do Sistema Hídrico do Lago Titicaca, Rio Desaguadero, Lago Poopó e Salar de Coipasa, ou, simplesmente, Autoridade do Lago Titicaca – ALT, criada pela Bolívia e pelo Peru em 1996.

A ALT é uma Entidade de Direito Público Internacional, possuidora de plena autonomia de decisão e de gestão no âmbito técnico, administrativo  econômico e financeiro. Funcionalmente e economicamente depende dos ministérios de Relações Exteriores da Bolívia e do Peru, sendo que o presidente da ALT se reporta diretamente ao  chanceleres de ambos os países e cumpre as disposições políticas conjuntas. A sede da ALT é a cidade de La Paz, na Bolívia, e seu presidente deverá ser de nacionalidade  peruana.

O objetivo geral da ALT é promover e conduzir ações, programas e projetos; ditar e fazer cumprir as normas de ordenamentos, manejo, controle e proteção na gestão da água conforme o Plano Diretor Global Binacional do Sistema Hídrico.

Apesar de não ser independente dos governos, a visão desta instituição vai além dos interesses nacionais e é tida, pelos dois países, como uma fonte segura de orientação em assuntos relacionados à gestão do Lago Titicaca.

A Comissão Mista Brasileiro-Uruguaia para o Desenvolvimento da Lagoa Mirim (CLM) sofreu diversas transformações, para acompanhar a evolução da política administrativa dos dois países, desde o Acordo para a Criação de uma Comissão Mista para o Aproveitamento da Lagoa Mirim. Passou pelo Ajuste Complementar ao Acordo sobre a Criação da Comissão Mista para o Aproveitamento da Lagoa Mirim, pelo Acordo sobre a Comissão Mista para o Aproveitamento da Lagoa Mirim, pelo Acordo por Troca de Notas que Estabelece o Estatuto da Comissão Mista Brasileiro-Uruguaia para o Desenvolvimento da Bacia da Lagoa Mirim (CLM).

A CLM, que é a o organismo binacional responsável pela execução do Tratado de Cooperação para o Aproveitamento dos Recursos Naturais e o Desenvolvimento da Bacia da Lagoa Mirim, celebrado em 7 de julho de 1977, é a estrutura base sobre a qual se conseguiria construir, por meio de novos acordos entre o Brasil e Uruguai,  uma entidade de direito público internacional, possuidora de autonomia de gestão e execução de suas próprias decisões.

 

 

 

 

 

 

Conclusão

 

A Bacia da Lagoa Mirim é um ambiente natural homogêneo, cuja característica é o cordão lagunar que se estende pela planície costeira. O corpo hídrico mais importante é a Lagoa Mirim, para onde convergem as águas de diversos cursos de água. Com a colonização européia, a região foi disputada por Espanha e por Portugal em um longo período de disputas armadas e diplomáticas. Foi, inclusive, por um período curto, um território neutro, que não pertencia a nenhum dos países em disputa. Com a independência do Uruguai e conseqüente fixação de limites entre o Brasil e o Uruguai, ocorreu a divisão política da Bacia da Lagoa Mirim entre os dois países, assumindo a Bacia um caráter trans-fronteiriço.

Entre o Brasil e o Uruguai, foram estabelecidos vários acordos bilaterais, sendo de notar o Tratado de  Cooperação Ambiental para o Aproveitamento dos Recursos Naturais e o Desenvolvimento da Bacia da Lagoa Mirim, a Ata de Jaguarão, e o Acordo sobre Cooperação em Matéria Ambiental. Como entidade executora do Tratado foi designada a Comissão Mista para o Desenvolvimento da Lagoa Mirim (CLM). A gestão ambiental da Bacia, embora orientada por estes instrumentos de cooperação binacional, enfrenta dificuldades, geradas pela flutuação dos interesses políticos de ambas as nações, bem como pelos diferentes estatutos jurídicos e administrativos que regem as ações em cada País.

O princípio da cooperação internacional, estabelece o dever de proteger o meio ambiente e indica a cooperação internacional como forma para atingir este objetivo. A cooperação pode ser efetiva e objetiva, gerando resultados concretos para a proteção do meio ambiente; ou pode ser uma intenção política, nunca exercitada em sua plenitude.

A preservação da soberania absoluta das nações é cláusula presente nos diferentes tipos de acordos internacionais, entretando, a disposição de duas ou mais nações de fundir suas soberanias num condomínio em defesa de um bem maior, o meio ambiente comum, é a aplicação mais pura do Princípio da Cooperação Internacional.

No cenário internacional encontram-se sinais evidentes de ser este o caminho a ser percorrido pelas nações em suas relações motivadas pela preservação do ambiente.

É neste sentido que se divisa uma nova trilha a seguir por Brasil e Uruguai, cuja meta a ser atingida é a proteção ambiental da Bacia Binacional da Lagoa Mirim, através da instituição pelos dois países de uma entidade de direito público internacional, possuidora de autonomia para gestão e execução.

 

 

 

Referências

 

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24. http://www.dji.com.br/decretos/2004-005208/2004-005208.htm

 

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26. http://alm.ufpel.edu.br/clm.htm

 

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[1] ESTEVES, F. A. Fundamentos de limnologia. Rio de Janeiro: Rio de Janeiro; INTERCIENCIA/FINEP; 1988. 575 p. ilus, mapas, tab.

 

[2] TOMAZELLI L.J. & VILLWOCK J.A. 1996. Quaternary Geological Evolution of Rio Grande do

Sul Coastal Plain, Southern Brazil. An. Acad. bras. Ci., 68:373-382

[3] http://alm.ufpel.edu.br/rhablm.htm

[4] DUARTE FILHO, P. F. M. ; COLLA, Luciane Maria ; SILVA, P. B. ; COSTA, Jorge Alberto Vieira . Aumento de escala do cultivo da cianobactéria Spirulina platensis utilizando a água da Lagoa Mangueira. In: 4º Simpósio Latinoamericano de Ciência de Alimentos, 2001, Campinas. Alimentos para o século 21: Desafios e tendências para a América Latina, 2001. p. 314-314

[5] PATRICK J. D.; DIEGUES  A. C. Proceso de Seguimiento de la Convención de Ramsar

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[6] COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, MEIO AMBIENTE E MINORIAS - Congresso Nacional. PROJETO DE LEI Nº 3.802, DE 1997 www.camara.gov.br/sileg/MostrarIntegra.asp?CodTeor=18733

 

[7] LOPES,R.P.; BUCHMANN,F.S.C.; CARON,F.; ITUSARRY,M.E.G.S. 2005. Barrancas Fossilíferas do Arroio Chuí, RS - Importante megafauna pleistocênica no extremo sul do Brasil. In: Winge,M.; Schobbenhaus,C.; Berbert-Born,M.; Queiroz,E.T.; Campos,D.A.; Souza,C.R.G. ; Fernandes,A.C.S. (Edit.) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. Publicado na Internet em 31/10/2005 no endereço http://www.unb.br/ig/sigep/sitio119/sitio119.pdf

[8] Instituto Nacional de Estadistica de Uruguay, 2004 .http://www.ine.gub.uy/fase1new/divulgacion_definitivos.asp

 

[9] www.fee.tche.br/.../pg_coredes_detalhe.php?corede=Sul

 

[10] MENDONÇA, L. A. .Parques Nacionais do Iguaçu e Iguazú: uma fronteira ambientalista entre Brasil e Argentina. XXII Reunião Brasileira de Antropologia. Fórum de Pesquisa 3: “Conflitos Socioambientais e Unidades de Conservação”.BRASÍLIA.. Julho de 2000 ftp.unb.br/pub/UNB/dan/F.3-22RBA/sessao3/mendonca

 

[11] http://books.google.com/books?id=8UkUAAAAYAAJ&dq=tratado+preliminar+de+paz+e+de+limites&printsec

[12] STEINKE, V. A. ; SAITO, C. H.. Exportação de carga poluidora para identificação de áreas úmidas sob risco ambiental na bacia hidrográfica da Lagoa Mirim. Sociedade & Natureza, Uberlândia, 20 (2): 43-67, DEZ. 2008

 

[13] http://www.elpais.com.uy/08/07/23/pnacio_359364.asp

 

[14] Plano Nacional de Logística e Transportes – PNLT. http://www.transportes.gov.br/PNLT/CD_RE/Index.htm

 

[15] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto/D0875.htm

[16] http://alm.ufpel.edu.br/tratadoalmcompleto.pdf

[17] YAHN FILHO, A. G.. O conceito de bacia de drenagem internacional no contexto do tratado de cooperação amazônica e a questão hídrica na região. Ambient. soc. ,  Campinas,  v. 8,  n. 1, 2005 . 

 

[18] SILVA, S. T. Proteção Internacional Das Águas Continentais: A Caminho

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[19] ELHANCE, A. P. Hydropolitics in the Third World: Conflict and Cooperation in International River Basins. Washington, D.C.: U.S. Institute for Peace, 1999. p 13

[20] LE PRESTE, P. Ecopolítica Internacional. São Paulo: SENAC São Paulo, 2000. 518 p.

[21] DOUROJEANNI, A. La gestión del agua y las cuencas en mérica Latina. Revista CEPAL. n. 53, p.111-127,  1994. http://www.cepal.org/cgi-ta/tpl/p39f.xsl&base=/revista/tpl/top-bottom.xslt

 

[22] http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=575&idMenu=9065

[23] http://www.dji.com.br/decretos/2004-005208/2004-005208.htm

[24] ARAUJO, N. de; MARQUES, F.V.; REIS, M. M. Código do Mercosul: Tratados e Legislação. Rio de Janeiro: Renovar, 1998

[25] http://alm.ufpel.edu.br/clm.htm

[26] http://www.ramsar.org/

[27] www.rbma.org.br/anuario/mata_02_baciashidro.asp

[28] MARCUZZO,S.; PAGEL, S.M.; CHIAPETTI, M.I.S. A Reserva da Biosfera da Mata Atlântica no Rio Grande do Sul- Situação atual, ações e perspectivas”. Série Cadernos da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. São Paulo, n. 11: Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. 2000.

 

 

[29] ALMEIDA, P. R. . O Estatuto das Empresas Binacionais Argentina Brasil. In: Boletim de Integração Latino-Americano, 1992, nº 5. 9

[30] FRONTINI, P. S. ITAIPU Binacional : Novo Tipo de Empresa? In: Revista de Direito Mercantil, n.º 15/16, 1974. 38/39.http://www.universojuridico.com.br/publicacoes/doutrinas/733/AS_EMPRESAS_BINACIONAIS